BRASÍLIA - " É impossível que o direito consiga controlar com eficácia a comunicação através de computadores. O modo de fugir da proibição, de disfarçar, de recorrer a sites internacionais é infinito. O direito não tem como dar conta deste espaço. "
O protesto feito pelo presidente do TSE, ministro Carlos Ayres Britto, foi o que garantiu, pelo menos por enquanto, a ausência de proibições à campanha pela internet. Mas não sem uma áspera discussão entre os ministros.
" Então, nós vamos transformar isto num campo de ninguém " , advertiu o ministro Marcelo Ribeiro. " Mas, e daí? " , rebateu Britto. " Ah não, presidente. E o abuso de poder econômico? " , respondeu Ribeiro, preocupado com o poder das empresas de comunicação na campanha. " Nós vamos controlar a internet do mesmo jeito que controlamos abuso de poder econômico " , completou Ribeiro, que, na segunda-feira, vetou " banners " e a difusão de opiniões sobre os candidatos pelos sites de um grande grupo de comunicação.
A proposta inicial do TSE para regular a campanha pela internet era bastante restritiva. Ela foi construída pelo relator da consulta formulada pelo deputado federal José Aparecido de Oliveira (PV-MG). O deputado perguntou ao tribunal como fica a campanha diante de novos mecanismos eletrônicos, como " banners " , " links " patrocinados, redes sociais, salas de bate-papo, " spams " , além de outras situações " on-line " , como o uso de " web TV " e do " web rádio " para propaganda. Pargendler respondeu vetando praticamente todos os mecanismos de campanha pela " rede " . Ele queria proibir a divulgação de vídeos no " You Tube " , o envio de e-mails para eleitores e até a criação de comitê eleitoral de candidatos no " Second Life " com a contratação de " avatares " (personagens virtuais).
Ao fundamentar o seu voto, Pargendler comparou a campanha pela internet ao combate às drogas. " Diz-se que 1,5 milhão de sítios não poderiam ser investigados. À base dessa premissa, não se poderia proibir o uso de drogas, como maconha e cocaína " , disse o ministro. " O cumprimento das normas é sempre fiscalizado de modo seletivo " , completou, usando outro exemplo. " Nos aeroportos, não se verifica a bagagem de todos os passageiros, mas se faz a fiscalização de forma seletiva. "
O debate estava se encaminhando para essa linha de proibição, quando Ayres Britto abriu a divergência, pedindo que o tribunal não se intrometesse na " rede " . " Os problemas da internet serão resolvidos pelo direito comum " , ponderou o presidente do TSE. " Acho que é um espaço que não nos cabe ocupar. Temos tanta coisa para regular. "
Pargendler insistiu na regulamentação. " Como vamos renunciar a ter disciplina nesse campo só porque é da internet? " , contestou. " Deixemos de lado a internet e os internautas em paz " , insistiu Britto. " Esse não é um campo de regulação de caráter eleitoral. "
Em seguida, o ministro Joaquim Barbosa alegou que o TSE poderia criar um grave problema para si caso entrasse no campo da internet, pois seriam milhares de ações e, em alguns casos, seria difícil de identificar o infrator protegido pelo anonimato da " rede " . " Estamos trazendo uma tormenta " , advertiu Barbosa. Ele propôs que o TSE aprecie caso a caso, sem dar uma regulamentação geral, e aplique as punições às mídias subsidiárias da internet. " Se uma emissora de radio está hospedada na internet se aplicaria a ela a restrição. "
" Então, não vamos responder a consulta " , rebateu Ribeiro. " Todos ficarão perplexos " , continuou.
" Neste Brasil imenso de tantos contrastes não será nenhuma surpresa se tivermos juízes que nem saibam o que é a internet " , continuou Barbosa.
" A consulta é uma armadilha " , completou Britto. " Vai levar a um processo de minudência tal que irá tumultuar o processo eleitoral. "
Os ministros Felix Fischer e Caputo Bastos se aliaram a Britto e Barbosa e foi assim que o TSE decidiu, por quatro votos a dois, que não deve regulamentar a campanha na " rede " . Com isso, o tribunal irá julgar caso a caso os eventuais problemas eleitorais na internet. A base para esses julgamentos é a Resolução nº 22.718 do próprio TSE que proíbe a veiculação de propaganda política ou a difusão de opiniões favoráveis ou contrárias a candidatos, partidos ou coligações, a partir de 1º de julho, quando começa a campanha.
(Juliano Basile | Valor Econômico)