01/12/2007
A pé e sitiado, Lula grita: ‘Meu reino pela CPMF’
Lula Marques/Folha
A Brasília dos dias que correm faz lembrar a figura do rei shakespeariano Ricardo III. Trata-se daquele personagem que, num momento de desespero, vendo-se a pé e cercado por tropas inimigas, gritou: “Um cavalo! Um cavalo! Meu reino por um cavalo!”.
O monarca da obra atribuída a Shakespeare tornou-se precursor involuntário da barganha como último recurso dos desesperados. Ao longo dos tempos, o apelo foi sendo adaptado por outros personagens em apuros. Sob Lula, ganhou uma última e constrangedora versão: “Dinheiro! Dinheiro! Meu reino pela CPMF!”
Na atmosfera de bazar que envenena o Senado, barganha-se tudo. Inclusive a honra, a ética e o bom senso. O balcão, já apinhado de verbas e cargos, ganha na próxima terça-feira uma mercadoria nova: o mandato de Renan Calheiros.
Cassando-o, o consórcio governista arrisca-se a produzir uma reação que vai custar a Lula a extinção da CPMF. Salvando-o, o conglomerado parlamentar de Lula mantém vivo o plano de renovar o imposto do cheque. E, com ele, uma arrecadação anual de R$ 40 bilhões.
O governo excedeu-se em erros na tramitação legislativa da emenda da CPMF. Na Câmara, levou um baile do PMDB. Posterga daqui, adia dali, Lula entregou Furnas ao grupo do insigne deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). De quebra, deu à bancada peemedebista de Minas promissória que vale uma diretoria da Petrobras.
No Senado, Lula negociou por cima –com José Serra, Aécio Neves e os outros governadores do PSDB— um acerto que, na base, a maioria da bancada tucana tratou de bicar na altura do fígado. Puxa daqui, estica dali, a partida foi empurrada para uma prorrogação indesejada.
Ao levar os próprios erros às últimas conseqüências, o Planalto acomodou Renan na marca do pênalti. Não como bola da vez, mas na condição de cobrador do pênalti que pode decidir a partida.
Renan é dono de meia dúzia de votos. Se o mandato dele for passado na lâmina, Lula dá adeus à maioria de três quintos. Se o pescoço do senador sobreviver ao segundo julgamento, o Planalto ainda terá de buscar o 47º, o 48º e o 49º votos. Para contornar todos riscos, terá de cavar o 50º. Quiçá o 51º.
Ganha um dia de isenção da CPMF quem adivinhar o que vai acontecer com Renan Calheiros. Em setembro, quando entregou ao senador a primeira absolvição, o Senado informou ao país de que matéria-prima é feito: uma argamassa em que se misturam conivência e cumplicidade.
Agora, sob os auspícios do Planalto, os senadores acrescentarão à mistura uma dose de amoralidade que elimina do quadro político aquele ton-sur-ton que confere aos delinqüentes uma máscara de indistinção. No dia seguinte à re-absolvição de Renan, a cafajestice terá cara de cafajestice. O repugnante terá cara de repugnante. A imundície terá cara de lama.
O Senado está a um passo de se converter num sub-distrito do município alagoano de Murici. E Lula, ainda cercado pelas tropas inimigas, verá o próprio grito misturar-se ao coro que vem de sua base congressual: “Uma emenda! Um cargo! Qualquer coisa pelo meu voto!”
Escrito por Josias de Souza às 19h58
El Roto/El Pais
Há uma semana, a pretexto de espicaçar Lula, FHC disse: “Queremos brasileiros melhor educados, e não brasileiros liderados por gente que despreza a educação, a começar pela própria." Com sua frase, o ex-presidente provou que entre o certo, que ele julga encarnar, e o errado, que atribui ao sucessor, sempre cabe mais um erro.
Em vez de “melhor educados”, FHC deveria ter dito “mais bem educados”. Embora admissível, a primeira forma é considerada pelos gramáticos menos apropriada. Um detalhe que não deveria ter escapado à erudição de FHC. Ouvidos mais atentos já haviam captado a impropriedade do discurso na primeira hora.
Para tirar a prova dos nove, a Folha ouviu três especialistas na matéria. Ouça-se o que disse, por exemplo, Maria Helena de Moura Neves, autora de "Gramática de Usos do Português Contemporâneo" e professora da Unesp e do Mackenzie:
"Até seria possível dizer ‘melhor educados’ (ou ‘educados melhor'), mas o significado seria educados de maneira melhor. Pelas condições em que a frase foi dita, não era isso o que ele queria dizer. O que quis foi fazer uma comparação entre indivíduos quanto ao grau em que possuem a qualidade ‘bem-educado’, algo como ‘brasileiros mais bem-educados do que os que estão por aí’."
Noves fora o escorregão gramatical, FHC pecou pela carga de preconceito que injetou em sua frase. Lula merece ser espinafrado pelo culto que costuma fazer à falta de escolaridade, não por ser um sujeito iletrado. Certa feita, para vangloriar-se das próprias origens, o presidente chegou mesmo a dizer que sua mãe nascera “analfabeta”. É certo que Lula, em criança, nao pôde estudar. Mas ele deve a si mesmo a inépcia de não ter freqüentado os bancos escolares depois de grande. Tempo não lhe faltou. Que o diga o companheiro Vicentinho (PT-SP), dono de um canudo de advogado recém-conquistado.
A par de todos os pecados, é preciso considerar o seguinte: de um governante o que se exige, para além da educação formal, é discernimento. No primeiro ato de “O Prazer da Honestidade”, de Pirandello, o personagem Mauricio diz, a certa altura: “[...] a educação é inimiga da sabedoria, porque a educação torna necessárias tantas coisas das quais, para sermos sábios, deveríamos abrir mão.” Faltou sabedoria à crítica do ilustrado FHC, eis o que não pode deixar de ser realçado.
Escrito por Josias de Souza às 19h29
Folha
O presidente do TSE, Marco Aurélio Mello, disse que o Congresso vai desafiar o Judiciário caso aprove o projeto de decreto legislativo, em tramitação na Câmara, que prevê a suspensão dos efeitos da resolução que regula os processos de perda de mandado por infidelidade partidária.
Se aprovado, “o ato desafiará o controle de constitucionalidade, concentrado no Supremo” Tribunal Federal, afirma Marco Aurélio, que além de presidir o TSE é ministro do STF. "Penso que, aí sim, há uma tentativa de invasão de área." Vai abaixo a entrevista que o ministro concedeu ao blog neste sábado (1):
- O que achou do projeto de decreto legislativo que propõe a suspensão dos efeitos da resolução do TSE que regula os processos de infiéis?
Penso que há, aí sim, uma tentativa de invasão de área. Não se respeita a divisão de tarefas dos poderes. Vamos ter que aguardar. Caso seja aprovado, o que não acredito, o ato desafiará o controle concentrado de constitucionalidade no Supremo. O TSE não pode fazer nada. Mas, possivelmente, teremos o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade para o Supremo pronunciar-se.
- Não foi o próprio Supremo que consagrou o princípio da fidelidade?
Claro. Foi o Supremo que sinalizou no sentido de ter esse entendimento. Eu sustentei no julgamento do Supremo inclusive que seria desnecessário qualquer procedimento administrativo. Mas, para ensejar o direito de defesa, o Supremo concluiu que tem que haver um processo administrativo de justificativa. E cabe à Justiça Eleitoral conduzir esse processo, porque o tema é eleitoral. Está em jogo o mandato. Por isso a resolução do TSE foi editada.
- Diz-se que o Judiciário está legislando. Concorda?
Realmente, há quem diga que o Supremo e o TSE estão legislando. Não é verdade. Estamos apenas dando eficácia às normas legais. Normas aprovadas pelo próprio Congresso. Nessa matéria da fidelidade houve da parte do Supremo uma leitura da Constituição, percebendo-se o objetivo do texto constitucional. Há o aspecto formal. Mas acima do aspecto formal está a concretude da própria norma.
- O decreto legislativo é o instrumento próprio pra questionar a resolução do TSE?
Claro que não. Nem para isso nem para modificar pronunciamento do próprio Supremo. O decreto legislativo não pode fazer as vezes de uma ação rescisória, que não é da competência do Congresso, mas dos tribunais, do Judiciário. Mas claro que eles [os deputados] estão atuando e ficam sujeitos a percalços.
- Qual seria o caminho para questionar o TSE?
Se acham que o TSE extrapolou de suas prerrogativas, o caminho adequado é o Supremo. Qualquer partido pode ingressar com uma ação direta de inconstitucionalidade e dizer: ‘olha, o TSE simplesmente substituiu-se ao Congresso’. É esse o meio para atacar a resolução do TSE. Mas questionar um outro Poder mediante decreto legislativo e, no campo da opção política, cassar a resolução, seria um passo demasiado largo. Uma interferência, aí sim, indevida. Que ajuízem a ação. Paga-se um preço por viver no estado democrático de direito. E o preço é o respeito às balizas estabelecidas. É um preço módico, qualquer um pode satisfazer.
- Está seguro quanto à justeza da resolução do TSE?
Sem duvida nenhuma. A resolução do TSE é harmônica com o que foi decidido pelo Supremo. Isso é o que basta para termos o endosso. Foram os próprios legisladores que inseriram a fidelidade na Constituição de 88 e também na lei orgânica dos partidos políticos. Mas claro que era algo lírico. Não tinha conseqüências práticas. Agora tem. O que me causa perplexidade é que o autor do projeto de decreto legislativo, o deputado Regis Oliveira, é um desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Isso me surpreende porque ele tem o domínio da matéria. Mas vamos esperar os desdobramentos. Com a certeza de que a última palavra cabe ao Supremo. Penso que fatalmente haverá questionamento no Supremo. Principalmente porque o término do troca-troca partidário é algo que a sociedade brasileira reclamava há muito tempo. Penso também que os parlamentares, principalmente eles, têm que estar atentos aos anseios sociais.
Escrito por Josias de Souza às 17h55
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